terça-feira, 4 de agosto de 2009

O ETILISTA

Caminho trôpego, minha veste esfarrapada
mostra o rumo que meus pés me levam
meus ossos na fúnebre e fria tarde se entrevam
se entrevam meus ossos nessa melancólica caminhada.

A fria tarde não me deixa absolutamente nada
pelo caminho exposto ao ridículo e ao léu
busco na fantasmagórica escuridão do mausoléu
uma cama para minha alma embriagada.

Embriagada minha alma está completamente
pela bebida, pela inevitável consumpção
dizem ter de mim compunção
mas na verdade riem de mim alegremente.

Riem com minha desventurada sina
sina que não me veio do berço
adquiri no meu décimo primeiro terço
perpetuei na taberna da esquina.

Diziam ser eu um louco ateu
do melhor amigo ao meu irmão
todo parente, todo amigo era um ladrão
me abandonaram e roubaram o que era meu.

Falsos amigos, eu vos peço e imploro a gritar
a sepultura em que eu repulsar, deixai no mato
pois os vermes irão me tirar do anonimato
quando meu corpo forem devorar.

Me sobrevoa, cerca-me, famigerado abutre
nesse chão queres lamber minha epiderme
não demores, pois ao meu lado já está o verme
que minha putrefática carne nutre.

Bebo e sei o porquê da bebedeira
é ainda nas entranhas das garrafas que procuro
o caminho do meu obscuro
passado de tanta asneira.

Tu foste famigerada louca
a culpada da minha desgraça
quando me deste como água, cachaça
como pão a língua da tua boca.

Bem sabes quando estou embriagado
pois minha pálpebra cai como uma tampa
e a vermelhidão no meu rosto estampa
a revelação do meu cerebelo necrosado.

Me escoro e entrevejo tua bizarra silhueta
me sento e antevejo o que vai acontecer
me deito na certeza que nessa noite irei morrer
me acordo com o cão me lambendo na sarjeta.

É melhor se aquecer com um cão
que deitar em vida contigo
o cão faz-me do chão um abrigo
tu faz-me do abrigo um chão.

Conheço de outrora tua concupiscência
o teu esquizofrênico amor insano
debalde terás o meu amor profano
e eu, a malícia de tua indecência.

Durmo nessa sarjeta, sob intempérie e açoite
pensando se terei amanhã café Café?
até deus tirou-me a fé
acordo e vejo um dia mais escuro que à noite.

Sei que nessa vida, meu câncer é eterno
por isso meu “fiel companheiro” tenha certeza
tu que ris de mim, hoje na nobreza
amanhã estarás chorando comigo no inferno.
ESPÉCIE BABUJADA 

Vi um dia na quentura abrasadora
da floresta que sombreava essa terra
a destribalização tal qual na guerra
dessa raça escravizada e sofredora.

O gentio de certo ainda seria mui gentil
se cá não chegasse a praga européia
que trouxe consigo a gonorréia
do jesuíta cretino e imbecil.

Catequizando implementavam o genocídio
miscigenando invasão com escravidão
obrigando o gentio a ser cristão
E a ver sua raça entrar no etnocídio.

Peles morenas embranqueciam nas cavernas
confinadas pela praga dia e noite
como escambo era chibata e açoite
como pagamento, amputavam-lhes as pernas.

Abutricionavam suas vísceras sem piedade
e o seboso ainda cantava epopéia
a doçura lhes dava nojo e cefaléia
era a desgraça do brasileiro de verdade.

O corsário com bacamarte à tira colo
rastejava como a peçonhenta cascavel
da sua boca destilava o podre fel
contaminando com “tropicais” o doce solo.

Vi um dia o índio posto a correr
contaminado com a usura dessa gente
que usurpou essa Terra diferente
e fadou o curumim a desaparecer.

Vi ao longe entrada e bandeira
entradas, triunfamente preparadas
facões, bacamartes e espadas
convertiam o gentio a sua maneira.

Bandeiradas, em mastros bandoleiras
penduravam do gentil sua carcaça
para o gentio do etnocídio a ameaça
despojo e gloria para as cortes estrangeiras.

Contaminavam e fazia a mente oca
do gentio que se via obrigado
a esquecer Tupã, seu deus sagrado
e adorar a podridão destilada de sua boca.

Fazendo do natural o seu vassalo
vi no olho avarento do leproso
o desejo cruento de subjugar o dócil povo
para transformá-lo em cavalo.

Como o desmoronamento de um barranco
soterrando tudo a sua frente
vi a alma pálida e doente
de uma índia estuprada por um branco.

O músculo tremia-me na mão
tanto quanto uma vara na correnteza
senti no ínfimo a tristeza
de um dia ter nascido Navarro e Aragão.

Vi a amarela contaminada por essa gente
a verde da escravidão sem esperança
a azul de um céu de discrepância
a branca de um carniceiro e indecente.

Comecei a correr, sem rumo e sem sina
para não mais ver tanta carnificina
vendo morte da raça no início
atirei-me ao fundo do precipício.